Acredito que uma das fontes de inquietação de muitas pessoas que procuram uma psicoterapia, além do sofrimento vivido, é a percepção do quanto esse sofrimento é recorrente, repetido. Enfim, um desagradável e constante visitante. Afinal de contas, se conseguimos perceber o que nos faz sofrer, por que não interrompemos sua ação? Por que ainda assim nos flagramos em autoboicotes e recorremos à mesma forma distorcida de interpretar nossas experiências humanas? Embora existam inúmeras explicações teóricas para esta repetição, e posso mencionar o clássico texto de Freud “Recordar, repetir e elaborar”, gostaria de propor uma leitura diferente, menos rigorosa e talvez mais ingênua. Peço que me acompanhem na analogia a seguir… Vejam a imagem ao lado. Trata-se de uma trilha. Mas como se forma uma trilha? Há necessariamente que alguém faça esse caminho pela primeira vez. Depois esse alguém precisa voltar a fazer esse caminho várias vezes (ou outras pessoas) para que, com o tempo, comece a se delinear uma trajetória, um esboço de passagem em meio a uma plantação densa. Quanto à sua natureza, esta plantação pode ser mato fechado, com ou sem espinhos, seca, úmida. De tanto passar por lá, o contraste se forma lentamente. Alí há um caminho antes inexistente. Não foi da noite para o dia. A trilha, já formada, é um convite para cortar caminho, para seguir adiante.
Os sentidos que atribuímos às nossas experiências assemelham-se a essa trilha. Como os sentidos são construídos nas relações sociais, é justo dizer que nunca caminhamos nessa trilha sozinhos. Como vocês já podem antever, existem trilhas e trilhas. Algumas delas foram construídas passando por espinhos e adversidades. O problema é que muitas vezes, de tanto construir e passar por ela, perdemos de vista a possibilidade de construir novos caminhos. Ou porque não há ninguém que nos ajude a vislumbrar essa possibilidade, ou porque estamos habituados a isso.
Mas não quero dizer que o sofrimento é simplesmente um hábito (embora para alguns possa ser). Quero simplesmente dizer que atribuímos os mesmos sentidos às nossas experiências (percorrer a mesma trilha) porque não conseguimos fazer diferente. O que eu quero é passar e lá há um caminho, o único no momento.
O ponto que eu quero chegar é que nos colocamos reiteradamente em situações que nos fazem sofrer, não por um prazer ou gozo masoquista (ou como dizem por aí, “por gostar de sofrer”), mas porque ao passar pelo sofrimento, somos acompanhados também pela esperança de que alguém nos ajude a “desviar” desse caminho de chão tão pisado. A repetição bem sucedida denuncia o fracasso desta tentativa, a não ser que novas relações produzem novos sentidos (novos desvios da trilha). Aí está a esperança por traz da repetição. Não é gozo, é esperança.
Como nos lembra Victor E. Frankl, autor do livro “Em Busca de Sentido”, o que o ser humano necessita não é a descarga de tensão a qualquer custo, mas antes o desafio de um sentido em potencial à espera de seu cumprimento.
Às vezes o inferno cai sobre as nossas cabeças sem aviso prévio. Mas precisamos estar atentos para não permanecermos nele. Em outras palavras, devemos deixar de “esperar” que o inferno nos abandone por conta própria para estar a “espreita” de novas trilhas que podem ser construídas.