Mês: março 2011

Quanto vale uma psicoterapia?

Pagar para alguém escutar as nossas dificuldades pode soar estranho. Estranho porque esta necessidade pode denunciar que algo na nossa trajetória de vida não deu muito certo e que nossos projetos não estão saindo do jeito que a gente queria. Não sabemos lidar com algumas situações da vida, com pessoas próximas e com a gente mesmo. Surge então uma pessoa que pode nos ajudar a iluminar esse caminho: um psicoterapeuta. Mas ter que pagar por isso? Certamente não lançamos mão destas questões quando temos que ir ao dentista, ao médico e pagar nosso plano de saúde. Por que então a coisa fica mais complicada quando temos que lidar com as nossas emoções? Porque quando entramos neste terreno, o dinheiro assume um valor simbólico. O que quer dizer isso? Que o valor do dinheiro extrapola sua concretude e adquire um significado particular. Certamente questões sociais e econômicas devem ser levadas em conta. Afinal, basta fazermos as contas para constatarmos o quanto podemos investir em nós mesmos. Simples não? Nem tanto.

O quanto a pessoa dispõe para pagar sua terapia pode estar ligada a várias questões. Somos seres humanos complexos e, portanto, não há como esgotar todas as possibilidades que o dinheiro pode significar nesta hora. Mas certamente algumas podemos exemplificar. O dinheiro pode estar ligado ao investimento que a própria pessoa reconhece que merece. Ou seja, a manifestação de um cuidado sobre si mesmo. Outra possibilidade é o lugar que este terapeuta ocupa neste processo. Qual o seu valor como pessoa e como profissional. Quando falo deste “lugar”, me refiro também a um lugar simbólico: de cuidador, de acolhedor, de alguém que aposta em nosso crescimento. Estes exemplos não devem ser entendidos como regras, pois uma pessoa que se disponibiliza a pagar um valor inferior não necessariamente se vê como indigna de investimento e muito menos que o terapeuta não o mereça. O que trago para a discussão é que a questão do dinheiro está além dos cálculos monetários.

Mas estas questões não são privilégios dos clientes. Psicoterapeutas também podem ter dificuldade em lidar com o dinheiro, e este dilema, como é para o cliente, possui contornos simbólicos. O valor que ele cobra pode estar ligado a questões também concretas: seu comprometimento com a não elitização da terapia e a uma necessidade de aumentar sua lista de clientes. Mas pode falar também do valor que ele atribui a si próprio enquanto pessoa e profissional que é.

Mas o significado atribuído no processo de pagamento/recebimento extrapola generalizações. Este precisa ser entendido na relação específica entre cliente e psicoterapeuta, o que torna esta questão ainda mais complexa. Muitas vezes o psicoterapeuta, se não estiver muito atento, pode contribuir para a manutenção de uma forma específica do cliente se relacionar com as pessoas. O terapeuta pode vir a sentir pena, ter grande admiração, ser condescendente, ser duro, etc. E isto só pode ser entendido na especificidade deste encontro.

Há outro elemento que está envolvido neste processo e este diz respeito a questões de mérito. Do mesmo jeito que uma pessoa não inicia sua terapia por ser inviável financeiramente, o inverso é verdadeiro. “Se cobra pouco, não deve ser bom”. Isto se dá em razão de vivermos tempos em que a imagem é tudo. Os valores das pessoas se confundem com valores monetários. Dinheiro passa a ser sinônimo de eficiência. Certamente esta compreensão deve ser um dos focos de trabalho, mas isso só será possível de ser discutido se o cliente “suspender” essa forma de ver a situação e apostar no processo. O tempo vai dizer.

O dinheiro, em contextos psicoterápicos, possui conotações morais fortes. Se todos nós, tanto psicoterapeutas e clientes, considerarmos que nossas compreensões acerca destas questões são versões temporárias e não conclusões definitivas, podemos nos desarmar e apostar no diálogo franco e sincero. O dinheiro pode se converter num aliado simbolicamente importante, e isto independe da concretude de seu valor.

É possível viciarmos em certos relacionamentos?

Certa vez vi na televisão uma definição sobre “vício” que me fez pensar e posteriormente concordar: vício é tudo aquilo do qual não conseguimos parar. Fica claro se esta definição for aplicada sobre o uso abusivo de substâncias psicotrópicas, drogas lícitas e ilícitas e jogos. Mas não seria plausível persarmos também que podemos nos viciar em certos tipos de relacionamentos, inclusive aquele que estabelecemos com a gente mesmo? Parece-me que sim.

A maioria das pessoas já deve concordar que todo o vício dá prazer, a despeito dos efeitos nocivos posteriores que ele acarreta. Mas durante o uso de qualquer substancia ou prática, o prazer é conquistado. Nos sentimos outra pessoa e usufruimos da intensidade desta experiência. Mas quando nos referimos a relacionamentos humanos, a situação é um pouco mais complexa.

Por meio do processo de socialização, começamos a construir sentidos sobre o mundo e sobre nós mesmos. Nossas ações ganham significado e a noção de quem somos enquanto pessoa começa a ganhar forma. Ninguém se define sozinho e nosso interlocutor, principalmente àqueles que desenvolvemos certo grau de confiança, assumem um papel importante nesta construção. Porém, ao longo de nossa trajetória, ficamos presos em alguns significados construídos nesses encontros sociais. Passamos a estabelecer relacionamentos com certos tipos de pessoas que irão desempenhar certos papéis. Uma pessoa, que se vê como submissa, passa a querer se relacionar com alguém mais autoritário, mais autônomo. Outra pessoa, cuja imagem que tem de si própria não é satisfatória, pode se vincular a pessoas que venham a enfatizar sua inferioridade. Sei que os exemplos são simples e banais e não daria para esgotar todas as possibilidades aqui. Mas o que eu quero dizer é que, numa relação específica, em especial àquela que provoca uma dose de sofrimento, muitas vezes não conseguimos nos desvencilhar. Queremos mudar, temos clareza que a pessoa nos faz sofrer (uma namorada, um amigo, etc), mas não conseguimos. Por que? Se todo vício traz em si a obtenção do prazer, onde há prazer nestes tipos de relacionamento? Freud já havia se ocupado disso ao tratar do masoquismo, mas não quero ir por essa via. Quero enfatizar que, em todo o relacionamento, há a obtenção de um benefício, por mais estranho que possa parecer. Voltando ao exemplo da pessoa submissa, ao se relacionar com alguém mais autoritário, ela se beneficia ao negligenciar a responsabilidade por sua própria vida. Chamamos esse fenomeno de “co-dependencia”, ou seja, a pessoa depende que seu parceiro seja do jeito que é para lhe poupar da árdua tarefa de rever suas crenças a respeito de si própria.

Mas e quanto às crenças que temos a nosso respeito? Em outras palavras, o que dizer sobre a forma com a qual nos tratamos? Isto também pode ser viciante. É comum encontrarmos pessoas que, mesmo que você fale de suas potencialidades, elas não conseguem vê-las e acabam até por discordar. Um elogio é sempre recebido com um “mas”. Os recursos da pessoa acabam sendo guardadas no quartinho de bagunça de sua vida e seus defeitos recebem destaque especial. Dois psicólogos australianos (David Epston e Michael White) trabalham com uma noção interessante. Eles dizem que as crenças problemáticas que temos a nosso respeito são “discursos dominantes”, ou seja, discursos que nos dominam e nos impedem de ver outras possibilidades já existentes em nós. Se somos viciados em certas formas de nos referirmos a nós mesmos, temos que mudar justamente estas formas discursivas. Incorporar outros repertórios neste discurso repetitivo acabaria por enfraquecer esta construção dominante.

Daí resulta, em grande parte, nossa dificuldade em mudarmos nossa visão de mundo. Para mudarmos, precisamos olhar a partir de outra perspectiva. Nem sempre é facil e demanda muito esforço. Um primeiro passo, penso eu, é reconhecermos os benefícios secundários que ganhamos ficando do jeito que estamos. O segundo passo é reconhecer se vale a pena manter estes mesmos benefícios.